segunda-feira, 14 de agosto de 2017


BIBLIOGRAFIA ARQUEOLÓGICA PORTUGUESA_ o contributo de Eduardo Pires de Oliveira



Li ontem com atenção e especial interesse o artigo do Público sobre o historiador bracarense EDUARDO PIRES DE OLIVEIRA, ainda que na versão "on line", muito partilhada entre colegas e amigos. Julgo que nunca me terei cruzado pessoalmente com o Eduardo mas trocámos alguma correspondência no início dos anos 80 do século passado, uma vez que como Director do Departamento de Arqueologia acolhi e dei andamento à sugestão (julgo que terá partido do próprio Professor Jorge Alarcão) de edição pelo IPPC, do trabalho de compilação da bibliografia arqueológica portuguesa que EPO vinha preparando há algum tempo. Para as actuais gerações de arqueólogos, já formados na "era internet", será difícil compreender o verdadeiro alcance prático de um repositório informativo desta natureza... Pessoalmente e apesar de "suspeito", sempre considerei o conjunto dos três volumes bibliográficos então editados, como um dos mais importantes instrumentos de trabalho ao serviço da arqueologia preventiva e de investigação nas duas últimas décadas do século passado [Bibliografia Arqueológica Portuguesa (1935-1969), IPPC 1984; BAP (1970-1979), IPPC 1985; BAP (Séc.XVI-1934), IPPAR,1993]. Não me espantou pois que, o artigo do Público tenha dado o devido destaque a esta obra, ainda que amputando a referencia aos dois volumes posteriormente também publicados por EPO:

"Antes de entrar no doutoramento, Eduardo Pires de Oliveira já tinha mais de 150 títulos editados, entre livros de divulgação e defesa do património, e artigos publicados em revistas científicas e actas de congressos. As primeiras obras da sua bibliografia não podiam ser mais relevantes. Em 1982, edita Braga: Evolução da Estrutura Urbana, juntamente com os arquitectos João Lopes e Eduardo Souto Moura, futuro prémio Pritzker. Na mesma altura, estava a trabalhar na Bibliografia Arqueológica Portuguesa, que acabaria por ser editada em 1984 pelo então Instituto Português do Património Cultural. Entretanto, acrescentou-lhes mais 70."

Não recordo os exactos contornos que terão estado na origem deste projecto do EPO. Ainda que o artigo do Público refira uma sua precoce passagem pelas escavações de Conimbriga, ainda como estudante, a ligação de EPO à Arqueologia passou essencialmente pelo projecto de salvamento de BRACARA AUGUSTA e pelo seu enquadramento profissional ocasional na Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho a partir de 1977. Nos meus textos memorialistas sobre as transformações da Arqueologia portuguesa no último quartel do Século XX, que vou divulgando neste blog, tenho repetidas vezes defendido a "tese" de que a Universidade de Braga e a respectiva unidade de Arqueologia, foram uma espécie de epicentro para onde convergiram a partir de meados dos anos 70, as várias "forças reformadoras" da arqueologia portuguesa, finalmente libertadas pelo 25 de Abril... Arqueólogos estrangeirados (como o Francisco Alves ou a Manuela Delgado), professores e arqueólogos da escola de Coimbra (como Jorge Alarcão ou Adília Alarcão), alunos da Universidade do Porto (como a Susana Correia...), arqueólogos da "geração do Tejo" (como o Francisco Sande Lemos, a Manuela Martins e o próprio António Martinho Baptista), todos, de um ou de outro modo aparecem ligados a Braga no final dos anos 70. Neste "caldo" bracarense, em que pela primeira vez a Arqueologia surgia entre nós como uma oportunidade profissional, puseram-se em prática novas metodologias de campo, desenvolveram-se novos conceitos teóricos e nasceram novos projectos que, rapidamente, ultrapassaram as muralhas da velha cidade romana. Quando em 1980 Francisco Alves "negociou" com Vasco Pulido Valente a sua "transferência" para o lugar de director do MNA e a reorganização do sector de Arqueologia da SEC, a experiência do Campo Arqueológico de Braga, serviria de modelo e de incubadora para os novos Serviços Regionais de Arqueologia, também decalcados da experiência francesa de Francisco Alves. O que nem sempre se refere, é que por trás de todo este movimento especificamente arqueológico, estava um outro movimento de cariz social, de defesa do património e da memória histórica, organizada em torno de uma local Associação de Defesa do Património, a "ASPA", (actualmente a celebrar o seu 40º aniversário), e onde desde a primeira hora militavam, num ambiente polítio e económico especialmente hostil, figuras como Henrique Barreto Nunes (https://henriquebn.wordpress.com/biografia/), director da Biblioteca Pública de Braga durante décadas ou o próprio Eduardo Pires de Oliveira.

Terá sido no contexto da colaboração de EPO na organização da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, em cujo âmbito se estrutura também a partir de 1980, o Serviço Regional de Arqueologia do Norte (ambos os serviços partilhando meios humanos e logísticos sob a direcção de Francisco Sande Lemos), que terá surgido a necessidade de compilação da bibliografia arqueológica. Como base inicial de trabalho, EPO socorre-se de duas brochuras editadas em 1970 e 1973 pela Junta da Educação Nacional e organizadas por Maria Teresa Pinto Mendes (bibliotecária da Universidade de Coimbra): a primeira por ocasião do II Congresso Nacional de Arqueologia realizado em Setembro de 1970 em Coimbra, abrangendo a década de 60 e a segunda em 1973, sobre a década de 50. Mas aquilo que parecia inicialmente uma simples reedição, rapidamente evolui para obra nova, face aos novos dados coligidos ou corrigidos, ao alargamento do âmbito cronológico (1935-1969) e sobretudo, aos novos índices, temáticos ou toponímicos, acrescentados no volume que o autor dedicaria a Jorge Alarcão.


O 2º volume da Bibliografia Arqueológica Portuguesa, organizado por Maria Teresa Pinto Mendes e editado pela Junta da Educação Nacional e cuja revisão esteve na origem dos volumes organizados por Eduardo Pires (1984,1985 e 1993)

Logo de seguida, tirando partido de muita informação coligida para a obra inicial, Eduardo Pires de Oliveira propor-nos-ia  a edição de um segundo volume, este inteiramente inédito e de sua lavra, dedicado à década de 70, fechando assim o ciclo da bibliografia arqueológica pré-IPPC. Este segundo volume seria editado pelo Departamento de Arqueologia em 1985 e EPO dedica-o a Henrique Barreto Nunes, um dos fundadores da ASPA. Alguns anos depois (1993) já após a extinção do IPPC e num período em que o respectivo Departamento de Arqueologia era dirigido por Fernando Real, este ciclo bibliográfico seria encerrado com a publicação do repositório anterior a 1935, tendo como limite de antiguidade o nascimento da própria imprensa, o século XVI. O autor dedica este 3º e último volume bibliográfico a dois colegas contemporâneos, Manuel Real, então Director da Biblioteca Municipal do Porto e  Maria La Salete da Ponte,à época arqueóloga do Museu de Conimbriga. Nos agradecimentos, entre outros, cita os responsáveis do Departamento de Arqueologia que facilitaram os meios para o conjunto das edições, incluindo o Fernando Real, a Teresa Marques e eu próprio, o que me sensibilizou especialmente. Nela é feita também uma menção especial e bem merecida a um funcionário administrativo do Departamento de Arqueologia, o João Lourenço, ("pelo cuidado posto na árdua tarefa de passar para letra de imprensa as minhas fichas de trabalho") um colaborador que muito jovem e quase por acaso iniciou o seu trabalho no DA do IPPC, no âmbito de um programa de OTL (ocupação de tempos livres?). Desde então nunca mais o largámos, tal era o rigor e paixão com que realizava todas as tarefas, mesmo as mais fastidiosas, como a dactilografia ou a preparação das nossas próprias edições ("Informação Arqueológica", "Trabalhos de Arqueologia", etc...) e que só abandonaria  o Departamento de Arqueologia quando, finalmente licenciado, procurou noutro Ministério a promoção que a Cultura não lhe podia dar.












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